Notas de Estudo

 Estudos Dialéticos

Notas de estudo sobre a inter-relação entre a atitude filosófica e a atitude crítica do espectador, a partir de estudos referenciados em Bertolt Brecht.
 
* DISTANCIAMENTO E  A NOVA ATITUDE DO ESPECTADOR
Bertolt Brecht
(1898-1956)
Para Bertolt Brecht, o distanciamento, "Verfremdung" , é um elemento imprescindível para estabelecer uma nova relação entre os atores e o público. Seu principal objetivo é possibilitar que o espectador estabeleça “uma atitude examinadora e crítica em face dos acontecimentos apresentados” (BRECHT, 1967, p. 160). 
Para o autor, o teatro deve contribuir para que o público “desenvolva um olhar de estranheza idêntico àquele que o grande Galileu contemplou um lustre oscilante. Ele ficou surpreso com o movimento de pêndulo, como se não o esperasse, não podendo compreender como aquilo estava ocorrendo; foi desta forma que aproximou-se de sua ideia a lei que regia aquele fenômeno. O teatro, com suas reproduções do convívio humano, tem de suscitar no público uma visão semelhante, tão difícil quanto fecunda. Tem de surpreender seu público, e chegar a isso por uma técnica que torne o que lhe é familiar em estranho” (BRECHT, 1967, p. 201).
Não parece casual a aproximação feita por Brecht entre o público de um novo teatro e Galileu. Ele destaca a capacidade de despertar no espectador uma nova atitude, marcada pelos sentimentos de estranhamento e surpresa. Essa posição aproxima Brecht da tradição filosófica que coloca o espanto e a admiração como elementos fundantes da atitude filosófica, portanto, da atitude crítica.

* TEATRO ÉPICO E O PÚBLICO ESPECIALISTA
Para o teatro épico “todos os acontecimentos cotidianos são significativos, particulares e merecedores de indagação”. Ao teatro que concebe o “homem como um dado fixo”, Brecht contrapõe um teatro capaz de mostrar o “homem como uma realidade em processo”. Ao invés de conceber o homem como ser imutável, o teatro épico evidencia que o “homem se transforma e pode transformar” (1967, p. 112 e 59). 
O teatro épico pretende formar uma nova atitude do público de teatro, transformando-o em especialista. Para compreender o significado dessa expressão, pode-se considerar dois tipos de comparações feitas pelo autor. Em Notas Sobre a Ópera dos Três Vinténs, o autor compara a atitude do espectador aos frequentadores especializados dos eventos esportivos. Em Teatro de Diversão ou Teatro Pedagógico, atribui aos espectadores a atitude de filósofos que não pretendem “apenas explicar o mundo, mas também, transformá-lo” (1967, p. 97).
Para desenvolver a consciência crítica, o teatro épico atribui um espaço importante à observação e ao posicionamento do espectador em relação ao que está vendo. Enquanto a forma dramática transporta-o para “dentro de alguma coisa”; a épica coloca-o “diante de alguma coisa” (BRECHT, 1967, p. 59).

* TEATRO DIALÉTICO E UMA NOVA ATITUDE DO PÚBLICO
A mudança de atitude do público implica em um exercício dialético, que deve ser incentivado pelo novo teatro. Como esclarece o autor no Diário de Trabalho (20.12.40), isso torna-se possível quando o teatro mostra o caráter contraditório da realidade e permite ao espectador estabelecer a passagem do “particular ao geral, do individual ao típico”. Enfim, a dialeticidade do ato de ver desenvolve-se quando ele consegue articular o presente, o passado e o futuro; quando pode perceber a “unicidade do incongruente, a descontinuidade do contínuo” (1977, p. 216, v. 1).
Nos últimos textos, as reflexões feitas por Brecht levam-no a reconsiderar o uso da expressão “teatro épico”. Em fragmento do seu Escritos Sobre Teatro, considera a designação épica “muito geral e indeterminada, quase formal” (1970, p. 195, v. 3). Sua pretensão é usar uma terminologia mais precisa, capaz de enfatizar principalmente as contradições presentes nas relações sociais. Contradições essas que não devem ser amenizadas, mas realçadas. Para tanto, propõe que a expressão “teatro épico” seja substituída por “teatro dialético”.

 * DRAMATURGIA NÃO-ARISTOTÉLICA E ATITUDE CRÍTICA DO ESPECTADOR
Para assegurar um espaço maior para a racionalidade crítica do espectador, Brecht desenvolve a “dramaturgia não-aristotélica”. Essa nova dramaturgia pretende destacar os aspectos sociais da ação desenvolvida pelo personagem. O enredo, considerado como o “coração da interpretação teatral”, deve evidenciar que os acontecimentos sociais são desencadeados pelo próprio homem: “O drama não-aristotélico não misturaria todos os fatos apresentados para mostrá-los como um destino inexorável, ao qual o ser humano é abandonado indefeso a despeito da beleza e significação de suas reações; pelo contrário, é precisamente esse destino que ele estudaria cuidadosamente, mostrando-o como obra dos homens” (BRECHT, 1967, p. 84 e 85).
A “dramaturgia não-aristotélica” contribui para a mudança da atitude do espectador, estimulando sua avaliação e posicionamento em relação à sociedade. Através do efeito de distanciamento, pode suscitar novas emoções, como aquelas provenientes da “produtividade” humana.
O autor propõe substituir a continuidade da ação - que provoca um interesse intenso do espectador pelo desenlace do drama - pela articulação independente das cenas. Ao chamar a atenção para as interligações entre as cenas, a referida dramaturgia fornece as condições para o julgamento crítico do público. Ao invés de promover a evolução contínua do enredo, a “dramaturgia não-aristotélica” pretende que o desenvolvimento da ação seja realizado através de “saltos”, o que permite acentuar suas contradições. Anatol Rosenfeld, comentando a obra de Brecht, destaca que o uso de cenas independentes entre si e a construção dialética do enredo, estruturado a partir da contraposição de situações, permite assegurar espaço para a reflexão crítica do público.